oi demi, that's me
www.unisc.br
O SILÊNCIO
5
10
15
20
25
30
Na ilha de São Miguel, no arquipélago dos Açores, existe um belíssimo lugar com duas lagoas unidas por um istmo. Uma é verde, e a outra, azul. Chama-se Sete Cidades a esse lugar. Numa das lagoas há um promontório que leva o nome de Ponta do Silêncio. Para lá vão os turistas para simplesmente não escutarem nada. A grande ventura é abrir os braços à aragem, fechar os olhos e escutar apenas o rumor da alma. Dá gosto vê-los em êxtase.
Não é por nada que isso acontece: vivemos uma cultura do ruído, do estrépito, dos tiros, das bombas e, em especial, da constante metralha dos potentes aparelhos de som. Não basta escutar Miles Davis1 - a propósito, genial -, é preciso que os vizinhos saibam que gostamos de Miles Davis, é preciso que a cidade, que o bairro, que o universo saibam. Chegando mais para o nosso tempo, a estética do bate-estaca transformou-nos em metrônomos ambulantes. Não há melodia, há apenas ritmo em decibéis ferozes. Isto é: falta um componente essencial ao que chamamos música. Dentro dos carros o som é potencializado, coisa de que nos damos conta nas sinaleiras. Os motoristas, autômatos, têm os olhos vidrados e espumam pela boca. O Chaplin de Tempos Modernos já não seria aquele operário que depois de um dia de trabalho sai parafusando todos os botões que encontra pela frente. Com certeza sairia à rua com dois tampões nos ouvidos.
Talvez por isso estejamos perdendo a capacidade de ouvir os outros, e na secular arte da conversação o silêncio tornou-se moeda rara. São poucos os que ainda guardam a capacidade de escutar o que dizemos.
Esquecendo-se de que o diálogo é a melhor forma de convivência, e que o diálogo pressupõe pausas criadoras, e que só ouvindo podemos responder, essa gente acelerada pensa somente naquilo que dirá em seguida que não será uma resposta, mas a continuação de seu longo monólogo. Eles podem conceber que têm esse defeito, mas para dizer isso