Ode à Infâmia de cada dia.
O homem é a suprema obra da criação divina. É no homem – criado à imagem e semelhança de Deus – que reside toda a grandiosidade do criador, toda a sapiência, todas as potencias da mente e da alma, toda a força de criação e de trabalho, o amor, a piedade. A jornada do homem consiste em caminhar de volta à sua origem, de volta pra casa, vencendo as adversidades impostas pelo labor da vida terrena. A veracidade dessa afirmação reside no discurso de quem opera com o poder que, para justificá-lo, cria e recria constantemente seus argumentos. A tentativa de expor o ser humano como possibilidade heróica, como um ser, muitas vezes, acima de si mesmo, dotado dos mais puros valores divinos, pertence sem dúvida nenhuma à tragédia. É a tragédia que surge como instrumento de instauração de moral, como termômetro social e imposição de padrões de normalidade. É a tragédia que carrega em si a responsabilidade de mostrar o homem ao homem, mas não o homem de verdade: um homem fabricado por um dispositivo de poder.
A partir disso, encontramos então na comédia e – inicialmente apenas na comédia – a possibilidade de subversão, o rompimento com a cortina de ferro instaurada pela severidade da tragédia. A comédia surge não só como diversão, mas principalmente como possibilidade, como uma encarnação da ironia, perpétua, ora descarada, ora tão diluída e disfarçada que se perde a noção de seu limite, não se sabe mais que valores morais são reafirmados e quais são contestados. Figuras antes anônimas no curso da história oficial reclamam sua voz, seu espaço, e dentro de um ambiente aparentemente “inofensivo” empenham suas forças para gerar as mais requintadas formas de agredir quem lhes agride, de confundir, manipular e enganar, cegar os olhos de quem lhes julga vigiar. Na sociedade do séc. XVIII apenas no território da comédia na obra de Beaumarchais, a intimidade exacerbada entre Fígaro e o Conde seria possível. As situações vexatórias em que o conde se