Oacidente
Kao Braga
Um rasgo de luz é mais rápido que o ronco dos motores. A cabeça em curto-circuito. Meu corpo dolorido e malajambrado prostrava-se no chão. Jazia no cruzamento das avenidas imortalizadas por Caetano Veloso. Mais à frente, trucidada estava meu pássaro de liberdade. Nada mais era do que um monte de metais, aros e correntes retorcidas. Só machuquei as pernas. O joelho ralado coloriu o pavimento. Tentei levantar e fui amparada por um homem de peruca arrepiada. Quieta, o resgate já chega.
Eram 8 horas quando sai rumo à escola de inglês. Capacete, luvas, mochila. Depois de uma maratona de subidas, descidas, piso acidentado, pedalava enfim na Ipiranga. Com o vento manobrando no rosto, transpus um mar de carros, ônibus, motos, vans. Um sorriso audível cresceu. Liberdade, rapidez e disposição, só para os fortes.
Uma Kombi amarela pulou da faixa do meio da avenida para entrar na São João, sem ver a minha bicicleta à direita.
Esborrachei-me com a lateral do carro e me estatelei no chão. Há quanto tempo está ali? Vinte? Trinta minutos? Para minha surpresa o motorista continuava lá. Do meu lado. Limpando com um pedaço de pano encardido a testa inundada de suor. Cada vez que o lenço passeava pelo rosto, a peruca entortava mais. Uma ambulância, não a do SAMU, mas a dos Bombeiros chegou.
Onde dói? Foi a única pergunta antes que me imobilizassem bem. Bem de qualquer jeito, né! Pressão ok. Batimento ok.
Tava fazendo o que de bicicleta no centro? Tava indo pra onde? Não sabe que é perigoso? Vai de ônibus, porra. Por que atropelou o carro? Que roupa é essa, minha filha? Tem carteira de ciclista?
Oi?
O mais simpático examinou o meu joelho e fez um sinal negativo com a cabeça. Sei não. Tá feio. Acho que vai ter que amputar. Tem plano de saúde? Eles demoram muito. Vamos para um hospital público mesmo. Se não der jeito, de lá direto pro necrotério.
A porta se fechou e ambulância partiu. Começou a Festa do Peão. Sacolejos e pulos a vontade. Eu, agarrada à maca, como um