Nietzsche A Gaia Ci Ncia
NIESTZSCHE
Um “crítico”da ciência ?
Leitura do aforismo 344 de A Gaia Ciência
Em que medida nós também somos devotos ainda — ”Na ciência as convicções não têm nenhum direito de cidadania, assim se diz com bom fundamento: somente quando elas se resolvem a rebaixar-se à modéstia de uma hipótese, de um ponto de vista provisório de ensaio, de uma ficção regulativa, pode ser-lhes concedida a entrada e até mesmo um certo valor dentro do reino do conhecimento — sempre com a restrição de permanecerem sob vigilância policial, sob a polícia da desconfiança. — Mas isso, visto com mais
ROGÉRIO HAFEZ
Professor de Grego do Instituto de
Estudos da
Linguagem (IEL) da Universidade
Estadual de
Campinas
(UNICAMP).
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precisão, não quer dizer: somente quando a convicção deixa de ser convicção, ela pode ter acesso à ciência? A disciplina do espírito científico não começa com o não mais se permitir convicções?...
Assim é, provavelmente: só resta perguntar se, para essa disciplina poder começar, já não tem de haver uma convicção,
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ACIMA, O FUTURO
FILÓSOFO, AOS 16
ANOS; AO ALTO,
NIETZSCHE COM A
MÃE, EM FOTO DE
1892; AO LADO,
BUSTO DO
PENSADOR ALEMÃO,
POR MAX KLINGER,
1904; NA OUTRA
PÁGINA, O AUTOR DE
O NASCIMENTO DA
TRAGÉDIA, EM 1873,
AOS 29 ANOS
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e aliás tão imperiosa e incondicional, que sacrifica a si mesma todas as outras convicções? Vê-se que também a ciência repousa sobre uma crença, não há nenhuma ciência ‘sem pressupostos’. A questão, se é preciso verdade, não só já tem de estar de antemão respondida afirmativamente, mas afirmada em tal grau que nela alcança a expressão esta proposição, esta crença, esta convicção: ‘Nada é mais necessário do que a verdade, e em proporção a ela todo o resto só tem um valor de segunda ordem’. — Essa