"Nem Cila nem Caribdis": tópicos de reflexão social sobre a leitura
“NEM CILA NEM CARIBDIS”:
TÓPICOS DE REFLEXÃO SOCIAL SOBRE A LEITURA
Resumo: O exercício de ler não se confina necessariamente em si próprio, desterro solitário na sua individualidade. Acto intrinsecamente criador, o sentido pleno da leitura é também social: envolve o outro. As práticas de leitura podem, então, desempenhar para leitores e mesmo para não-leitores um papel fundamental no seu sentido de posicionamento identitário e no seu sistema de relações. Perspectivando a leitura enquanto dado social interpretável, procura-se aqui dar breve conta de alguns tópicos que a reflexão no quadro mais amplo das ciências sociais tem produzido desde a década de setenta do século passado, incluindo as dificuldades e os riscos enfrentados pelas propostas apresentadas.
Palavras-chave: leitura; ciências sociais; práticas; usos sociais; autonomia; mediação; comunidade.
Assumindo-se que “não há uma leitura mas inúmeras espécies de leituras” (Escarpit e Barker, 1973: 113), o sentido em que o vocábulo “leitura” é desenvolvido no presente texto é o do seu exercício enquanto acto a que estão associadas diferentes variáveis do foro social. Mais do que um comportamento expresso pela ideia de hábito ou do que uma acção de descodificação cognitiva de símbolos ou referenciais, o acto de ler é aqui entendido como uma prática – traduzida num conjunto de modalidades de apropriação do discurso impresso em papel ou fixado noutros suportes (Chartier, 1988, 1995, 1997; Furtado, 2000) e tornado público – portadora de usos e formas para indivíduos e grupos. Reconhecendo-se a dimensão discursiva como essencial na fecunda polissemia do conceito, as próximas linhas não se ocuparão, todavia, da leitura enquanto discurso, elemento ordenador da realidade e valor de troca no comércio das ideias nos universos comunicacionais e representacionais.
Ideia que trilhou um caminho de integração na agenda das ciências sociais, a leitura sedimentou uma posição cardinal nos