Nao veras pais nenhum
NÃO VERÁS
PAÍS NENHUM
(memorial descritivo)
Digitalização: Argo www.portaldocriador.org Para ANGELA RODRIGUES ALVES, a fim de que saiba: eu também.
E para Geraldo Alves Machado, que não chegou a ver esta dedicatória.
"Y llegando yo aqui a este cabo vino el olor tan bueno y suave de flores ó arboles de la tierra, que era la cosa mas dulce del mundo".
Colombo, 1503, diante do cabo Hermoso
América arvoredo sarça selvagem entre os mares de pólo a pólo balançavas, tesouro verde, a tua mata.
Pablo Neruda em Canto Geral
O inexplicável horror de saber que esta vida é verdadeira.
Fernando Pessoa em O Horror de Conhecer
respirar terra é não querer saber de limites.
Clara Angélica, poeta alternativa do Recife, em Cara no Mundo
AS SIRENES TOCARAM A NOITE INTEIRA, SEM PARAR.
TODAVIA, PIOR QUE AS SIRENES, FOI O NAVIO QUE AFUNDAVA,
ENQUANTO AS CABEÇAS DAS CRIANÇAS EXPLODIAM
Mefítico. O fedor vem dos cadáveres, do lixo e excrementos que se amontoam além dos Círculos Oficiais Permitidos, para lá dos Acampamentos Paupérrimos. Que não me ouçam designar tais regiões pelos apelidos populares. Mal sei o que me pode acontecer. Isolamento, acho. Tentaram tudo para eliminar esse cheiro de morte e decomposição que nos agonia continuamente. Será que tentaram? Nada conseguiram. Os caminhões, alegremente pintados em amarelo e verde, despejam mortos, noite e dia. Sabemos, porque tais coisas sempre se sabem. É assim. Não há tempo para cremar todos os corpos. Empilham e esperam. Os esgotos se abrem ao ar livre, descarregam em vagonetes, na vala seca do rio. O lixo forma setenta e sete colinas que ondulam, habitadas, todas. E o sol, violento demais, corrói e apodrece a carne, em poucas horas. O