nao aprender
E A INVENÇÃO DA INFÂNCIA ANORMAL
Profª Drª Maria Aparecida Affonso Moysés1
Profª Drª Cecília Azevedo Lima Collares2
Será necessário que a medicina tome como seu objeto todas as esferas possíveis da vida humana, regendo-as e normatizando-as, para que a aprendizagem seja incluída, legitimamente, pelos campos, de saber e de atuação, médicos. Atribuindo a si própria não mais o estudo das doenças, mas o estudo e a definição da normalidade, a medicina se atribui todo o universo de relações do homem com a natureza e com outro homem, isto é, a vida. Legislando sobre hábitos de alimentação, vestuário, habitação, higiene, aplica a esses campos a mesma abordagem empregada frente às doenças. Adotando um discurso genérico, aplicável a todas as pessoas, porque neutro, apóia-se na invariância da determinação biológica do homem e na pretensa invariância das relações que ela própria, a medicina, estabelece com cada homem, ou grupo de homens, em particular. Com o consentimento da sociedade, que delega à medicina a tarefa de normatizar, legislar e vigiar a vida, estão colocadas as condições históricas para a medicalização da sociedade, aí incluídos comportamento e aprendizagem. Embora o discurso médico aponte as condições insalubres de vida como causas de doenças e epidemias, também abole as condições de vida concretas de cada pessoa, sua inserção social e nos modos de produção. Abole, ainda, as particularidades de cada um; é preciso abolir as particularidades, o subjetivo, a imprecisão, para que o pensamento racional e objetivo se imponha. Não se esqueça que o discurso médico, nesse momento - aliás, o discurso científico, em qualquer momento - está afinado com as demandas dos grupos hegemônicos. Ao capitalismo que surgia, as desigualdades sociais constituíam tema a ser omitido dos fatores determinantes, transformado em determinado. As transformações políticas e econômicas que ocorrem na fase inicial do capitalismo