Modernidade Líquida
Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
Capítulo 2 – INDIVIDUALIDADE
A disputa sobre a essência dos prognósticos populares retratados pelos visionários Orwell, que descrevia um mundo de miséria e destituição, de escassez e necessidade; e o de Huxley que retratava como uma terra de opulência e devassidão, de abundância e necessidade, tinham outras diferenças não menos notáveis: os dois mundos se opunham em quase todos os detalhes.
No entanto, havia alguma coisa que unia as duas visões, que compartilhavam do pressentimento de um mundo estritamente controlado, da liberdade individual rejeitada por pessoas treinadas a obedecer a ordens e seguir rotinas estabelecidas de uma pequena elite que manejava todos os cordões de tal modo que o resto da humanidade poderia passar toda sua vida movendo-se como marionetes; de um mundo dividido entre administradores e administrados; projetistas e seguidores de projetos.
Orwell e Huxley não discordavam quanto ao destino do mundo, eles apenas viam de modo diferente o caminho que nos levaria até lá se continuássemos suficientemente ignorantes, obtusos, plácidos e indolentes para permitir que as coisas seguissem sua rota natural.
Quando eles esboçaram os contornos trágicos do futuro, ambos sentiram que a tragédia do mundo era o seu ostensivo e incontrolável progresso rumo à separação entre os cada vez mais remotos controladores e o resto, cada vez mais destituído de poder e controle. A visão que assombrava os dois escritores era a de homens e mulheres que não mais controlavam suas próprias vidas.
Assim como Platão e Aristóteles não eram capazes de imaginar sociedade boa ou má sem escravos; Huxley e Orlwell não podiam conceber uma sociedade, fosse ela feliz ou infeliz, sem projetistas, administradores e supervisores que em conjunto escreviam o roteiro que outros deveriam seguir; não podiam imaginar um mundo sem torres e mesas de controle. Os