mito rito e religião
Junito de Souza Brandão
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É necessário deixar bem claro, nesta tentativa de conceituar o mito1, que o mesmo não tem aqui a conotação usual de fábula, lenda2, invenção, ficção, mas a acepção que lhe atribuíam e ainda atribuem as sociedades arcaicas, as impropriamente denominadas culturas primitivas, onde mito é o relato de um acontecimento ocorrido no tempo primordial, mediante a intervenção de entes sobrenaturais. Em outros termos, mito, consoante Mircea Eliade, é o relato de uma história verdadeira, ocorrida nos tempos dos princípios, illo tempŏre, quando, com a interferência de entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o cosmo, ou tão-somente um fragmento, um monte, uma pedra, uma ilha, uma espécie animal ou vegetal, um comportamento humano. Mito é, pois, a narrativa de uma criação: conta-nos de que modo algo, que não era, começou a ser.
Em síntese:
MITO
história verdadeira ocorrida no tempo primordial
Nova realidade: cosmoantropofania (total ou parcial)
Intervenção de entes sobrenaturais
De outro lado, o mito é sempre uma representação coletiva, transmitida através de várias gerações e que relata uma explicação do mundo. Mito é, por conseguinte, a parole, a palavra “revelada”, o dito. E, desse modo, se o mito pode se exprimir ao nível da linguagem, “ele é, antes de tudo, uma palavra que circunscreve e fixa um acontecimento3“. Maurice Leenhardt precisa ainda mais o conceito: “O mito é sentido e vivido antes de ser inteligido e formulado.
Mito é a palavra, a imagem, o gesto, que circunscreve o acontecimento no coração do homem, emotivo como uma criança, antes de fixar-se como narrativa4“.
O mito expressa o mundo e a realidade humana, mas cuja essência é efetivamente uma representação coletiva, que chegou até nós através de várias gerações. E, na medida em que pretende explicar o mundo e o homem, isto é, a complexidade do real, o mito não pode ser lógico: ao revés, é ilógico e