Mito do nascimento de vênus
A véspera do nascimento de Vênus fora um dia violento. O firmamento, tingindo-se subitamente de um vermelho vítreo, enchera de espanto toda a Criação.
Saturno, munido de sua foice, enfrentara o próprio pai, o Céu, num embate cruel pelo poder do Universo. Com um golpe certeiro, o jovem deus arrancara fora a genitália do pai, tornando-se o novo soberano do mundo. Um urro colossal varrera os céus, como o estrondo tremendo de um infinito trovão, quando o Céu fora atingido.
O fecundo órgão do deus deposto, caindo do alto, mergulhara nas águas profundas, próximo à ilha de Chipre. Assim, o Céu, depois de haver fecundado incessantemente a Terra — dando origem à estirpe dos deuses olímpicos -, fecundava agora, ainda que de maneira excêntrica e inesperada, o próprio Mar.
Durante toda a noite o mar revolveu-se violentamente. A espuma do mar, unida ao sangue do deus caído, subia ao alto em grandes ondas, como se lançasse ao vento os seus leves e espumosos véus. Mas quando a Noite recolheu finalmente o seu grande manto estrelado, dando lugar à Aurora, que já tingia o firmamento com seus dedos cor-de-rosa, percebeu-se que as águas daquele mar pareciam agora outras, completamente diferentes.
O borbulhar imenso das ondas anunciava que algo estava prestes a surgir.
Das margens da ilha de Chipre, algumas ninfas, reunidas, apontavam, temerosas, para um trecho agitado do mar:
— O mar está prestes a parir algo! — disse uma delas.
— Será algum monstro pavoroso? — disse outra, temerosa.
Mas nem bem o sol lançara sobre a pátina azulada do mar os seus primeiros raios, viu-se a espuma, que parecia subir das profundezas, cessar de borbulhar. Um grande silêncio pairou sobre tudo.
— Sintam este perfume delicioso! — disse uma das ninfas.
As outras, erguendo-se nas pontas dos pés, aspiraram a brisa fresca e olorosa que vinha do alto-mar. Nunca as flores daquela ilha haviam produzido um aroma tão penetrante e, ao mesmo tempo, tão discreto; tão doce e, ao mesmo