Miguel Esteves Cardoso
O
AMOR
É
FODIDO
? ASSÍRIO E ALVIM
RUA DE SÃO NICOLAU, 119 – 2º D, 1100-548 LISBOA
E MIGUEL ESTEVES CARDOSO (2000)
EDIÇÃO 377
1ª EDIÇÃO, 1994
8ª EDIÇÃO, 2000 (3000 EXEMPLARES)
ISBN 972-37-0374-2
MIGUEL ESTEVES CARDOSO
O AMOR É FODIDO
8ª EDIÇÃO
ASSÍRIO & ALVIM
Para a S u s a n a
1
Quanto mais vou sabendo de ti, mais gostaria que ainda estivesses viva. Só dois ou três minutos: o suficiente para te matar.
Merecias uma morte mais violenta. Se eu soubesse, não te tinha deixado suicidar com aquelas mariquices todas. Aposto que não sentiste quase nada. Não está certo. Eu não morri e sofri mais do que tu. Devias ter sofrido. Porque eras má. Eu pensava que não.
Enganaste-me. Alguma vez pensaste no que isso representou na minha vida miserável? Agora apetece-me assassinar-te de verdade.
E indecente que já estejas morta.
Quando tomaste os comprimidos sabias que estavas a safar-te.
De boa. Confessa. Foi um bom negócio. As pessoas que levaram uma vida como a tua costumam morrer em circunstâncias que deixam muito a desejar. Afogadas em aquários. Estendidas de pernas abertas numa paragem de autocarro, esfaqueadas, sem cerimónias, e estranguladas por uma histérica numa casa de banho.
Eu tinha-te dado um tiro. Um tiro limpo nessa cabecinha — o suficiente para te assustar, mas rápido. A doer um bocadinho.
Morreste há quatro anos. Já deves ter apodrecido. Não gosto de pensar assim em ti. Tenho pena. Eras tão vaidosa. Deves estar linda... Um dia embebedo-me e vou desenterrar-te, só para olhar para a tua cara, ver se é verdade que os cabelos crescem, cheirarte de perto, tu que cheiravas sempre tão bem, mesmo quando se passavam dias sem tomares banho. Se calhar, até nisso me vais desiludir e sais-me uma daquelas criaturas incorruptas, de cadáver inalterado, com aquela frescura recém-falecida, de quem acaba desportivamente de tomar cento e vinte barbitúricos, incorrupta e coberta de chuva de cemitério.
Se