MICHEL FOUCAULT
O conceito de biopolítica tem sido amplamente utilizado em diversos campos do saber, quase sempre de forma difusa e imprecisa, o que acaba causando certa confusão nas delimitações apreendidas por Foucault acerca de tal temática. É verdade que podemos fixar estudos sobre esse conceito adotando-o como dispositivo para reflexões no âmbito da sexualidade, do poder médico, das raças, da segurança, da educação e da governamentalidade. Mas o problema que se apresenta nesta análise, em primeiro lugar, é a medicina, especialmente a medicina social, como principal ferramenta para a legitimidade de uma biorregulação política das vidas humanas, tal como sustentou Foucault em sua primeira apresentação pública sobre o conceito de biopolítica. O saber médico é compreendido como ponto nevrálgico porque se insere em todos os outros saberes já exemplificados aqui e atua num âmbito exterior ao seu próprio exercício. É, pois, que o discurso médico reverbera seu poder nas redes morais, políticas, educacionais, policiais, de administração pública, segurança, urbanismo etc. Nesse cenário, a administração do saber médico sobre a sexualidade exerceu poder por meio da repressão. A confissão no mundo cristão do século XVI ao XVIII, por exemplo, ganha força como instrumento de manipulação e criação de discursos ao operar uma nova tecnologia do sexo e suas práticas. Entretanto, a partir do século XVIII, o sexo deixa de ser um problema de caráter religioso e passa a ser preocupação de natureza biológica, orgânica e estatal. Nessa época, em toda a Europa, como identificamos há pouco, voltou-se o foco para o corpo biológico e os índices de natalidade e morbidade. Vemos, nesse caso, a formação de um quadro institucional da medicina, sobretudo com o surgimento dos métodos de normatização da sociedade e da higienização. Há, nesse sentido, uma transferência da concepção de corpo como “carne” cristã para a concepção de corpo como ferramenta