Michel foucault e marx
De Eugênio Raúl Zaffaroni, trad. Sérgio Marcos de Moraes Pitombo
I.
Lia, faz algumas semanas, com certa amargura, exato juízo de Jescheck, referindo-se ao movimento de reforma penal, no Brasil e na Argentina, formulado em 1979. Após analisar, breve¬mente, as alternativas dos últimos projetos e reformas, em nossos países, concluía o aludido autor, afirmando que “a fisionomia, que define o direito penal dos dois maiores países da América Latina, é tão incerta, como seus destinos políticos” (Jescheck, “Internationale Strafrechtsreformbewegung”, em “Strafrecht im Dienste der Gememschaft”, Berlim, 1980, p. 132). A veracidade de tal conceito não evitava a iniludível depressão e até certo grau de ceticismo, que, às vezes, costuma se apropriar de nosso ânimo. No momento de escrever estas linhas, felicito-me de poder expressar ânimo diferente, posto que o anteprojeto de refor¬ma da parte geral do Código Penal brasileiro revela uma tendência clara que, consagrado legislativamente, haveria de pro¬porcionar ao Brasil a endgültige Gesicht de seu direito penal, cuja carência assinalava, com razão, Jescheck, faz dois anos. II.
É verdadeira alegria conhecer um anteprojeto de parte ge¬ral de tal feitura e, em especial, que se elabore para ser discutido e sancionado, pelos órgãos constitucionais legítimos, nenhuma de cujas condições, lamentavelmente, vejo cumpridas em meu próprio país.
Avalio que a história penal do Brasil é bastante diáfana ¬ - talvez singular neste sentido -, visto que se lança, com o código imperial, documento importantíssimo, para a legislação penal latino-americana e européia, a qual acoplava o pragmatismo de Bentham com o retribucionismo criticista, em original ajuste, ainda não bem valorado. Continua com o código penal republi¬cano - quiçá muito injustamente censurado -, que se limitou a modernizar o direito penal imperial, mas sem lhe fazer perder a