Mia couto - tsunami na alma
480 palavras
2 páginas
Tsunami na alma Em "Inundação", de Mia Couto, um rio corre pela casa, anunciando uma enchente de lembranças de um narrador inominado. Numa fração de segundos, vão se compondo imagens e sons de uma época provavelmente remota e, simultaneamente, atemporal: “E nós éramos meninos para sempre.” É uma narrativa encantadora, que não se limita a narrar os personagens apenas no aspecto físico, mas psicologicamente. Não há idealização, a linguagem é, ao mesmo tempo, simples e essencial. É o conhecido convite que se percebe ao leitor para que mergulhe, relaxado, no mundo ficcional, imaginário, viajando com o narrador autodiegético, em suas lembranças ou criações de uma realidade que não se sabe se existiu ou foi inventada. Mia consegue transmitir o sentimento íntimo da mulher africana, sem idealizá-la ou, muito menos deixar-se levar pelo preconceito dos países desenvolvidos, realçando-lhe os sentimentos peculiares. Ficamos cúmplices do protagonista no exercício de buscar na relação familiar o entendimento psicanalítico. O que quer o homem-menino em suas andanças pelo passado? Resolver alguma questão afetiva? Descobrir algo misterioso que o influencia na sua vida adulta? A prosa poética se realiza nem tanto pelo ritmo, mais pelas imagens que evoca – o fantástico no cotidiano apresentado de maneira natural, sem sobressaltos, suave. Provoca bastante a imaginação do leitor, algo que comumente só se consegue em um poema, como é possível perceber na abertura do conto: "Há um rio que atravessa a casa. Esse rio, dizem, é o tempo. E as lembranças são peixes nadando ao invés da corrente. Acredito, sim, por educação. Mas não creio. Minhas lembranças são aves. A haver inundação é de céu, repleção de nuvem. Vos guio por essa nuvem, minha lembrança." O estilo de Mia Couto é uma corrente que nos leva diante do que é belo. O texto deve ser lido como um ato de contemplação de um pôr do sol, com todos os mistérios que isso pode nos provocar,