meu gato de óculos
Não só as relações iam ficando melindrosas, mas eu estava ansioso para tornar à Corte. Aos quarenta e dous anos não é que havia de acostumar-me à reclusão constante, ao pé de um doente bravio, no interior. Para avaliar o meu isolamento, basta saber que eu nem lia os jornais; salvo alguma notícia mais importante que levavam ao coronel, eu nada sabia do resto do mundo. Entendi, portanto, voltar para a Corte, na primeira ocasião, ainda que tivesse que brigar com o vigário. Bom é dizer (visto que faço uma confissão geral) que, nada gastando e tendo guardado integralmente os ordenados, estava ansioso por vir dissipá-los aqui.
Era provável que a ocasião aparecesse. O coronel estava peior, fez testamento, descompondo o tabelião, quase tanto como a mim. O trato era mais duro, os breves lapsos de sossego de brandura faziam-se raros. Já por esse tempo tinha eu perdido a escassa dose de piedade que me faziam esquecer os excessos do doente; trazia dentro de mim um fermento de ódio e aversão. No princípio de agosto decidi definitivamente sair; o vigário e o médico, aceitando as razões, pediram que ficasse algum tempo mais. Concedi-lhes um mês; no fim de um mês viria embora, qualquer que fosse o estado do doente. O vigário tratou de procurar-me substituto.
Vai ver o que aconteceu. Na noite de vinte e quatro de Agosto, o coronel teve um excesso de raiva, atropelou-me, disse-me muito nome cru, ameaçou-me de um tiro, e acabou atirando-me um prato de mingau, que achou frio, o prato foi cair na parede onde se fez em pedaços.
— Hás de pagá-lo, ladrão! bradou ele.
Resmungou ainda muito tempo. Às onze horas passou pelo