Matarazzo
Imagine a cena de uma simbólica família paulistana na década de 20. Na mesa do café da manhã, a banha enlatada, o açúcar e o presunto cozido servidos pela dona de casa ao marido e à numerosa prole tinham no rótulo um só emblema: "IRFM - Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo." Na prateleira da cozinha, ela guardava amido Brilhante, arroz Iguape, azeite para saladas Sol Levante "o preferido pela sua pureza", lixívia São Jorge "sem rival para limpar cristais e panelas" e Licor Brasil, todos produzidos pela IRFM. Na estante do banheiro, um vidro de água de colônia Mimi, o sabonete Rex "que deixa sua pele acetinada" e ainda um frasco de perfume Sedução.
Enfeitava a cama do casal a colcha Princeza, que a dona de casa só lavava com sabão de coco "destinado para tecidos finos". A família usava roupas feitas com cortes da tecelagem Mariângela, uma das 365 fábricas que formavam o império das IRFM. À noite, as velas acendidas na casa eram da marca Progresso e o jantar era sucedido de uma dose de conhaque de gengibre Matarazzo. A onipresença da marca do imigrante no dia-a-dia dos brasileiros dá bem a ideia de seu poderio econômico. Nos anos 30, a renda bruta do conglomerado era a quarta maior do Brasil. Faturavam mais que Matarazzo apenas a União Federal, o Departamento Nacional do Café e o Estado de São Paulo.
Na virada do século 19 para o século 20, o Brasil era assim. Dois terços da população viviam no campo, 65% dos adultos não sabiam ler ou escrever e o produto interno bruto per capita equivalia, em valores de hoje, a pouco mais de 700 reais. Nas cidades, doenças como tifo, sífilis, sarampo e varíola faziam vítimas sem escolher classe social. Em 1900, a esperança de vida ao nascer era de apenas 34 anos. Foi nesse Brasil socialmente adverso que o italiano Francesco Matarazzo desembarcou, em 1881. A instabilidade política da Itália, decorrente das guerras de unificação (1860-1870), havia abalado às finanças da família, o que obrigou Francisco a ingressar no