Mario Quintana Esconderijos do Tempo
Mario Quintana
Eu faço versos
Eu faço versos como saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos...
Sentai, amadas, nos primeiros bancos!
Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos...
Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta de meus dedos branco!
"Meu Deus! Mas tu não mudas o programa!"
Protesta a clara voz das bem-amadas.
"Que tédio!" o coro dos amigos clama.
"Mas que vos dar de novo e de imprevisto?"
Digo... e retorço as pobres mãos cansadas:
"Eu sei chorar... Eu sei sofrer... Só isto!"
Heróis
As biografias dos grandes homens são feitas de absurdos, estão cheias de acontecimentos incômodos, que atravancam tudo. A vida deles lhes acontece de fora para dentro. Muito mais interior, mais natural, mais humana é atua vidoca, Anônimo leitor, que és o herói sem história do quotidiano. Se pudesses, se soubesses contar-me a tua vida, eu tiraria dela muito mais proveito do que da vida de Napoleão.
Trova
Fosse o mundo um paraíso...
- Paraíso de verdade! morrerias sem saber o que é a felicidade...
Madrigal recusado
Não sou mais que um poeta lírico,
Nada sei do vasto mundo...
Viva o amor que eu te dedico,
Viva Dom Pedro Segundo!
Trova
Quem as suas mágoas canta,
Quando acaso as canta bem
Não canta só suas mágoas,
Canta a de todos também.
Maria
Há três coisas neste mundo
Cujo gosto não sacia
É o gosto do Pão, da água e o do nome de Maria.
Trova
Coração que bate-bate
Antes deixe de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão batendo sem sofrer.
O poeta
Venho de fundo das eras,
Quando o mundo mal nascia...
Sou tão antigo e tão novo
Como a luz de cada dia!
Dedicatória
Quem foi que disse que eu escrevo para as elites?
Quem foi que disse que eu escrevo para o bas-fond?
Eu escrevo para a Maria de Todo o Dia.
Eu escrevo para o João Cara de Pão.
Para você, que está com este jornal na mão...
E de súbito descobre que a única novidade é a poesia,
O resto não passa de crônica