Mar de Poesia
Navio errante
Navio errante,atraquei ao cais do Amor.
Daí em diante fui-me ao sabor de ondas, páirar de incerto rumo, bússola perdida.
Onde a linha imaginária do verde equador da minha vida?
Navio errante,sem leme nem comandante, meu sonho é corcel sem rédea a gravitar na linha média entre o equador e o cais do Amor!
Busque Amor novas artes, novo engenho,
Para matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal que mata e não se vê;
Que dias há que na alma me tem posto Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê.
Luís de Camões,
Poemas de Amor – Antologia de Poesia Portuguesa
Amor é um fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem-querer; É um andar solitário entre a gente;
É um nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade,
É servir a quem vence o vencedor,
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís de Camões,