Mada Bovary
Paris, 12 de Abril de 1857
Primeira Parte
I
Estávamos na sala de estudo quando o director entrou, seguido de um caloiro sem uniforme e de um contínuo que transportava uma grande carteira. Os que estavam a dormir acordaram e todos se puseram de pé como se tivessem sido surpreendidos a trabalhar. O director fez sinal para que nos sentássemos novamente; depois, voltando-se para o encarregado de vigiar os estudos: - Senhor Roger - disse-lhe a meia voz -, aqui tem um aluno que lhe recomendo; entra para a 5ª classe. Se for aplicado e tiver bom comportamento, passará para os mais crescidos, de acordo com a sua idade. O caloiro, que ficara no canto atrás da porta, de tal modo que mal o conseguíamos ver, era um rapaz do campo, com cerca de quinze anos e mais alto do que qualquer de nós. Tinha o cabelo cortado a direito sobre a testa, como o dos que cantavam no coro da igreja, e mostrava um ar sisudo e muito acanhado. Embora não fosse largo de ombros, o fato de tecido verde e botões pretos devia ficar-Lhe apertado debaixo dos braços e deixava ver, pelas aberturas das mangas, uns pulsos vermelhos habituados a andar despidos. As pernas, com meias azuis, saíam-lhe de umas calças amareladas, repuxadas pelos suspensórios. Calçava sapatos grossos, cardados e mal engraxados. Começámos a recitar as lições. Ele escutou com toda a atenção, como se estivesse a ouvir uma prédica, não ousando sequer cruzar as pernas nem apoiar-se nos cotovelos, e, às duas horas, quando tocou o sino, o vigilante teve de Lhe chamar a atenção para que se pusesse connosco na forma. Tínhamos o costume de, ao entrar na aula, atirar os bonés para o chão, a fim de ficarmos com as mãos mais livres; havia que lançá-los logo do limiar da porta para debaixo do banco, de maneira que batessem na parede e levantassem bastante pó; era essa a praxe. Mas, fosse