Machado de Assis e a Literatura
Texto-Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis,
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, vol. III, 1994.
Publicado originalmente em A Marmota, Rio de Janeiro, 09 e 23/04/1858.
I
A literatura e a política, estas duas faces bem distintas da sociedade civilizada, cingiram como uma dupla púrpura de glória e de martírio os vultos luminosos da nossa história de ontem. A política elevando as cabeças eminentes da literatura, e a poesia santificando com suas inspirações atrevidas as vítimas das agitações revolucionárias, é a manifestação eloqüente de uma raça heróica que lutava contra a indiferença da época, sob o peso das medidas despóticas de um governo absoluto e bárbaro. O ostracismo e o cadafalso não os intimidavam, a eles, verdadeiros apóstolos do pensamento e da liberdade; a eles, novos Cristos da regeneração de um povo, cuja missão era a união do desinteresse, do patriotismo e das virtudes humanitárias.
Era uma empresa difícil a que eles tinham então em vista. A sociedade contemporânea era bem mesquinha para bradar — avante! — àqueles missionários da inteligência e sustentá-los nas suas mais santas aspirações.
Parece que o terror de uma época colonial inoculava nas fibras íntimas do povo o desânimo e a indiferença.
A poesia de então tinha um caráter essencialmente europeu. Gonzaga, um dos mais líricos poetas da língua portuguesa, pintava cenas da Arcádia, na frase de
Garrett, em vez de dar uma cor local às suas liras, em vez de dar-lhes um cunho puramente nacional. Daqui uma grande perda: a literatura escravizava-se, em vez de criar um estilo seu, de modo a poder mais tarde influir no equilíbrio literário da
América.
Todos os mais eram assim: as aberrações eram raras. Era evidente que a influência poderosa da literatura portuguesa sobre a nossa, só podia ser prejudicada e sacudida por uma revolução intelectual.
Para