luis camoes
Poesia de Camões
Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
O dia em que nasci moura e pereça, Não o queira jamais o tempo dar; Não torne mais ao Mundo, e, se tornar, Eclipse nesse passo o Sol padeça.
A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça, Mostre o Mundo sinais de se acabar, Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar, A mãe ao próprio filho não conheça.
As pessoas pasmadas, de ignorantes, As lágrimas no rosto, a cor perdida, Cuidem que o mundo já se destruiu.
Ó gente temerosa, não te espantes, Que este dia deitou ao Mundo a vida Mais desgraçada que jamais se viu!
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Esparsa ao desconcerto do Mundo
Os bons vi sempre passar No Mundo graves tormentos; E pera mais me espantar,