Loïc wacquant -"esclarecer o habitus" pierre bourdieu
Resumo: Tomando como referência a obra de Pierre Bourdieu, esboça-se no presente artigo uma reconstituição da génese da noção de habitus e, numa perspectiva de síntese, procura-se documentar algumas das suas principais propriedades teóricas. Efectua-se, igualmente, um pequeno retrato dos principais horizontes de mobilização sociológica de que a noção tem sido alvo. Loïc Wacquant∗
Habitus é uma noção filosófica antiga, originária no pensamento de Aristóteles e na Escolástica medieval, que foi recuperada e retrabalhada depois dos anos 1960 pelo sociólogo Pierre Bourdieu para forjar uma teoria disposicional da acção capaz de reintroduzir na antropologia estruturalista a capacidade inventiva dos agentes, sem com isso retroceder ao intelectualismo Cartesiano que enviesa as abordagens subjectivistas da conduta social, do behaviorismo ao interaccionismo simbólico passando pela teoria da acção racional. A noção tem um papel central no esforço levado a cabo durante uma vida inteira por Bourdieu (1972/1977, 1980/1990, 2000/2001) para construir uma “economia das práticas generalizada” capaz de subsumir a economia, historizando e, por aí, pluralizando as categorias que esta última toma como invariantes (tais como interesse, capital, mercado e racionalidade), e especificando quer as condições sociais da emergência dos actores económicos e sistemas de troca, quer o modo concreto como estes se encontram, se propulsionam, ou se contrariam uns aos outros. As raízes do habitus encontram-se na noção aristotélica de hexis, elaborada na sua doutrina sobre a virtude, significando um estado adquirido e firmemente estabelecido do carácter moral que orienta os nossos sentimentos e desejos numa situação e, como tal, a nossa conduta. No século treze, o termo foi traduzido para Latim como habitus (particípio passado do verbo habere, ter ou possuir) por Tomás de Aquino na sua Summa Theologiae, em que adquiriu o sentido acrescentado de capacidade para crescer através da