Lobisomen
Já um estirão era andado quando, numa roça de mandioca, adveio aquele figurão de cachorro, uma peça de vinte palmos de pêlo e raiva. (...)
Dei um pulo de cabrito e preparado estava para a guerra do lobisomem. Por descargo de consciência, do que nem carecia, chamei os santos de que sou devocioneiro:
- São Jorge, Santo Onofre, São José!
Em presença de tal apelação, mais brabento apareceu a peste. Ciscava o chão de soltar terra e macega no longe de dez braças ou mais. Era trabalho de gelar qualquer cristão que não levasse o nome de Ponciano de Azevedo Furtado. Dos olhos do lobisomem pingava labareda, em risco de contaminar de fogo o verdal adjacente. Tanta chispa largava o penitente, que um caçador de paca, estando em distância de bom respeito, cuidou que o mato estivesse ardendo. Já nessa altura eu tinha pegado a segurança de uma figueira, no galho mais firme, aguardava a deliberação do lobisomem. Garrucha engatilhada, só pedia que o assombrado desse franquia de tiro. Sabidão, cheio de voltas e negaças, deu ele de fazer macaquices que nunca cuidei que um lobisomem pudesse fazer. Aquele par de brasas espiava aqui e lá na esperança de que eu pensasse ser uma súcia deles e não uma pessoa sozinha. O que o galhofista queria é que eu, coronel de ânimo desenfreado, fosse para o barro denegrir a farda e deslustrar a patente. Sujeito especial em lobisomem como eu não ia cair em armadilha de pouco pau. No alto da figueira estava, no alto da figueira fiquei.”
(CARVALHO, José Cândido de. O coronel e o lobisomem; deixados do Ofício Superior da Guerra Nacional, Ponciano de Azevedo Furtado, natural da praça de Campos dos Goitacazes, 20, ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976,