LIteraros
DE GONÇALO M. TAVARES
Ângela Beatriz de Carvalho Faria (Professora de Literatura Portuguesa - UFRJ)
O meu instinto primário foi escrever romances para tentar perceber o mal, como é que ele surge, em que situações se manifesta. Sou um escritor pós-Auschwitz. Tenho a consciência do que aconteceu. (GONÇALO M. TAVARES)
A memória de males sofridos confere energia e legitimação ao conflito. (MIROSLAV VOLF)
Jerusalém, de Gonçalo M. Tavares, vencedor de inúmeros prêmios (Prémio LerMillenium 2004, Prémio José Saramago 2005 e Prêmio Portugal Telecom de Literatura
2007), apresenta personagens dilaceradas que “se cruzam, se entrelaçam, se movimentam, por vezes se amam e geralmente se magoam na noite (e na vida) de uma fria e emblemática cidade, supostamente, alemã”. Ao resgatar a memória do Holocausto ou a “inimagibilidade da Shoah” (catástrofe, em hebraico),1 o romance insere-se na tetralogia “O Reino”2 e na série dos “livros pretos”(como os define o próprio autor)3
“livros feitos para desencantar” e cujos “temas apontam os limites da violência e do mal”, evidenciando a “ausência de felicidade, o vazio que insidiosamente se enche de dor e loucura”, a ameaça a que estamos sujeitos de forma aleatória, o absurdo existencial kafkaniano. A representação contemporânea da crueldade e o fato de o
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Termo preferível a Holocausto, na acepção crítica de Márcio Seligman-Silva, que aponta o fato de este possuir conotações sacrificiais, em “Apresentação da questão: a literatura do trauma”, ensaio inserido em
História, memória, literatura: o testemunho na era das catástrofes. Org. Márcio Seligman-Silva.
Campinas, S.P.: Editora da UNICAMP, 2003. p.57
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Integram a tetralogia citada os romances: A máquina de Joseph Walser; Um homem: Klaus Klump;
Jerusalém e Aprender a rezar na era da técnica. Os dois últimos títulos já publicados no Brasil pela
Companhia das Letras.
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“São livros pretos, no sentido de uma certa dureza, e