Linguagem
Na crueldade de Hamlet em relação a Ofélia, Winnicott vê a imagem da rejeição do elemento feminino do príncipe. Diria que tal crueldade em relação à mulher amada resulta da impossibilidade em que se encontra Hamlet de identificar-se com ela em sua singularidade. Ao olhá-la, Hamlet vê a infidelidade feminina, a mentira, a vaidade, a dissimulação. Afinal de contas, para ele, tudo está podre no reino da Dinamarca. No final do texto sobre a dissociação entre os elementos masculinos e femininos, encontra-se a explicação winnicottiana para a hesitação de Hamlet. Não estava ao alcance do príncipe experimentar aquele processo que Winnicott descreve: "Depois de ser, fazer e deixar que ajam sobre você. Mas, primeiro, ser" (Winnicott 1971va [1966], p. 120).
Como compreender as transformações de Hamlet? Seguindo a trilha traçada por Winnicott, podemos dizer que, depois do trauma sofrido pelo assassinato do pai e, mais ainda, depois da revelação feita pelo Fantasma, Hamlet transforma-se em consequência de uma dissociação defensiva: a perda da comunicação entre os elementos masculinos e femininos de sua personalidade. A rejeição do elemento feminino o privara não só da experiência de uma identidade pessoal, mas também da capacidade de identificar-se com o outro, pois é sobre o elemento feminino, como nos ensina Winnicott, que se fundamentam todas