Ligações Perigosas: Estado e Guerra na América Latina Antonio Mitre
GUERRA NA AMÉRICA LATINA
Antonio Mitre
Working Paper nº 7, Julio de 2010
Ligações Perigosas: Estado e guerra na
América Latina
Antonio Mitre
I. Introdução
Nos primórdios do pensamento político moderno, Estado e Guerra surgem implicados numa relação de reciprocidade causal que, desde então, se configura como um jogo de espelhos na literatura sobre o tema. Maquiavel foi o primeiro a formular, no capítulo XII de O Príncipe, o caráter especular desse vínculo e o problema metodológico nele implícito:
As principais bases que os Estados têm, sejam novos, velhos ou mistos, são boas leis e boas armas. E como não podem existir boas leis onde não há armas boas, e onde há boas armas convém que existam boas leis, referir-me-ei apenas às armas.1
Quatro séculos depois, se firmará a ideia de que o monopólio da violência legítima é um elemento intrínseco à definição do Estado moderno, cujo nascimento e consolidação devemse tanto às armas quanto estas às vicissitudes daquele: “Estados fazem guerras e guerras fazem Estados”.2 Trata-se, pois, de uma equação na qual ambos os termos aparecem umbilicalmente unidos, pelo que convém separá-los analiticamente, como recomenda o escritor florentino, para evitar a reflexividade na hora de determinar o peso que cabe a cada um na produção de acontecimentos e processos específicos. Na sentença acima citada, há um desafio adicional: o de estabelecer as condições sob as quais se daria essa articulação causal, assim como seus limites, uma vez que guerras não fazem sempre Estados, nem estes são feitos unicamente por guerras. Estão postos, aí, os problemas e dilemas em torno dos quais gira o presente trabalho, que tem como foco os países latino-americanos.
As teorias clássicas relativas ao assunto que nos interessa têm sido elaboradas com base no exame da gênese, constituição e trajetória dos Estados europeus.3 O que fica em destaque nessa literatura não é apenas o fato de o próprio conceito de Estado moderno ser