Lacan
O estádio do espelho ordena-se a partir de uma experiência fundamental de identificação, onde a criança conquista a imagem do seu próprio corpo. A identificação primordial da criança com esta imagem promove a estruturação do eu, encerrando a vivência do corpo despedaçado. Antes do estágio do espelho a criança não experimenta seu corpo como uma unidade, mas sim como algo disperso. O primeiro tempo dessa fase é de uma confusão entre a criança e o outro, assujeitando-se ao registro do imaginário. No segundo tempo, a criança descobre que o outro do espelho não é um outro real, mas uma imagem, distinguindo a imagem do outro da realidade do outro. No terceiro tempo reconhece que a imagem do espelho é a dela, recupera a dispersão do corpo despedaçado numa totalidade unificada, representação do próprio corpo. A imagem do corpo se torna estruturante para a identidade do sujeito, pela dimensão imaginária, eu ideal, embora haja previamente sustentação simbólica, pelo Outro, ideal do eu.
O outro e o Outro
Pensemos primeiro no espelho em seu sentido literal. Para que a criança veja sua imagem no espelho e reconheça como sendo dela, é necessário uma operação complexa que consiste em se desdobrar e reconhecer que aquela imagem “é ela” e, ao mesmo tempo, “não é ela”. Assim também acontece na formação do eu da psicanálise. Para Lacan, a conquista da imagem do corpo próprio pela criança corresponde a uma imagem que “é dela”, mas que ao mesmo tempo “não é dela”, está alienada. Mas alienada onde? Quem ou o quê seria o espelho e esta imagem na qual o eu estaria alienado? Para responder a esta questão, precisamos fazer uma breve distinção entre o outro e o Outro. O “pequeno outro”, com letra minúscula, refere-se ao outro semelhante, ao próximo que, no início do desenvolvimento da criança, serviria como identificação. Assim, é possível pensar que Lacan explora a metáfora do espelho, alegando que a imagem refletida