Justiça transicional na africa do sul: restaurando o passado, construindo o futuro.
Restaurando o
Passado, Construindo o Futuro*
Simone Martins Rodrigues Pinto**
Introdução
A transição na África do Sul, de um longo regime de opressão segregacionista para uma democracia multirracial, deu-se de forma surpreendentemente pacífica e negociada. Graças ao exemplo de
Nelson Mandela, que foi solto depois de 27 anos de prisão, e à condução moral do arcebispo Desmond Tutu, como baluarte de uma nova forma de justiça, o país não se desintegrou em novas disputas de poder.
Apesar de negociada, a transição não resultou em uma anistia geral que levasse ao esquecimento do passado. A principal novidade no
*Artigo recebido em agosto de 2006 e aprovado para publicação em maio de 2007.
**Doutora pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro da Universidade Candido Mendes
(Iuperj/Ucam) e professora do Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília (Ceppac/UnB).
CONTEXTO INTERNACIONAL
Rio de Janeiro, vol. 29, no 2, julho/dezembro 2007, p. 393-421.
393
Contexto Internacional (PUC)
Vol. 29 no 2 – Janl/Jun 2007
1ª Revisão: 12.08.2007 – 2ª Revisão: 22.10.2007
Simone Martins Rodrigues Pinto
processo sul-africano foi a ênfase na verdade e na responsabilização.
Em busca da restauração social da sociedade, a punição ficou em segundo plano, dando lugar a uma outra forma de resposta coletiva aos abusos perpetrados por meio de uma justiça restaurativa.
O Regime de Apartheid
A política de apartheid, ou segregação, foi institucionalizada na
África do Sul em 1948 e legitimou um sistema totalitário de discriminação racial, espacial, jurídico, político, econômico, social e cultural. No entanto, a África do Sul tem experimentado racismo e opressão desde a chegada dos primeiros colonizadores. O país está localizado ao sul do continente africano, banhado pelos oceanos Atlântico e Índico, tornando-se um ponto estratégico das rotas comerciais européias