jurisprudencia como fonte de direito
Joaquim B. Barbosa Gomes
Existiria, em princípio, alguma vinculação entre o conceito jurídico de ordem pública e o princípio de salvaguarda da dignidade da pessoa humana? Em que circunstâncias pode o Estado fazer uso do seu poder de polícia para, em nome da preservação da dignidade da pessoa humana, restringir o exercício, pelo cidadão, de alguns dos seus direitos fundamentais?
A resposta a estas e outras questões foi dada em recente decisão da Justiça administrativa francesa, lançada em processo que se singulariza pela natureza grotesca dos fatos que lhe são subjacentes e pela riqueza das reflexões jurídicas que enseja.
Os fatos, largamente debatidos nos meios de comunicação franceses, remontam a outubro de1991. Uma conhecida empresa do ramo de entretenimento para jovens decidiu lançar, em algumas discotecas de cidades da região metropolitana de Paris e do interior, um inusitado certame conhecido como "arremesso de anão" (lancer de nain), consistente em transformar um indivíduo de pequena estatura (um anão) em projétil a ser arremessado pela platéia de um ponto a outro da casa de diversão.
Movido pela natural repugnância que uma iniciativa tão repulsiva provoca, o prefeito de uma das cidades (Morsang-sur-Orge) interditou o espetáculo, fazendo valer a sua condição de guardião da ordem pública na órbita municipal. Do ponto de vista legal, o ato de interdição teve como fundamento o Código dos Municípios, norma de âmbito nacional (a França é um país unitário)que disciplina de forma minuciosa o exercício da ação administrativa estatal no plano municipal.Nos termos desse Código (art. 131), incumbe ao Prefeito, sob o controle administrativo do representante do poder central na respectiva circunscrição (Préfet), o exercício do poder de polícia no Município, podendo intervir em atividades ou limitar o exercício de direitos sempre que necessário à preservação da ordem