JD Duende 1
Ao mesmo tempo escura como Las Soledades, de Gôngora, embora cheia de fulgurações, e clara como uma tarde de tourada ou uma canção cigana ao som de guitarras, pandeiretas e castanholas, é a poesia de Federico García Lorca. Transcendendo o ultraísmo, tanto o espanhol como o latino-americano, o criacionismo, o hiper-realismo e outros ismos do seu tempo, no quadro rico e complexo da geração 1927 — que reuniu nomes tão significativos como Rafael Alberti, Jorge Guillén, Pedro Salinas, Dámaso Alonso, Vicente Aleixandre, Luís Cernuda, Salvador Dalí e Buñuel — Lorca se distanciou do caráter sequencial e lógico do barroquismo conceptualista, em suas já clássicas nuances expressivas disseminadas em vários estilos e escolas (cuja constância se fez sentir, decênios depois, até em nosso João Cabral) e se aproximou, cada vez mais, do jogo de simetrias próprio da matriz gongórica do Barroco — de uma obscuridade ferida pela lucidez, ou de uma lucidez nimbada pelo mistério — (que, também, iria marcar, no Brasil, a poesia de um Jorge de Lima): o que imprimiu um recorte plástico, quando não pictórico, à maioria dos seus versos — em blocos inteiriços ou volumes em cores — intensificados, ainda por cima, de um sutilíssimo sentido musical. A renovação da metáfora, inspirada, como vimos, nessa matriz gongórica, prolongada em novas ressonâncias, se associa, no poeta de Granada, à busca apaixonada das raízes andaluzas, desde as reminiscências do imaginário cigano até as formas estróficas e rítmicas, como o gazel e a cacida, herdadas da tradição árabe, ainda tão presente entre as sobrevivências de sua cultura. Entretanto não se pode compreender de maneira menos imprecisa García Lorca sem levar em conta o duende que havia nele, como podemos ler em seu fulminante ensaio, Teoria e Jogo do Duende, quando, após proclamar a primazia do duende sobre a lira e o anjo, afirma: “A vitória mágica do poema consiste em estar sempre enduendado para batizar