Incas
O INCA PANO: MITO, HISTÓRIA E
MODELOS ETNOLÓGICOS
Oscar Calavia Sáez
Quatorze anos atrás, o Journal of Latin American Lore publicou um extenso artigo de Donald Lathrap, Angelika Gebhart-Sayer e Ann Mester
(1985) sobre a relação de grupos pano da Alta Amazônia com uma aristocracia quechua.
Em meio a uma enciclopédica e ousada reconstrução do processo histórico pan-pano, a peça de convicção do artigo era uma série de relatos protagonizados pelo Inca, obtida por Gebhart-Sayer entre os índios do Ucayali. Séculos antes de sua instalação como senhores nos Andes, alguns grupos quechua teriam estabelecido seu reino na selva, e a tradição oral conservaria preciosos detalhes daquela época.
As tradições referentes ao Inca entre índios da Alta Amazônia não eram desconhecidas antes de 1985. Longe de se limitarem aos grupos fluviais do Ucayali (afinal, relativamente próximos aos Andes), estendem-se também a grupos mais orientais, especialmente os Kaxinawá. Mas até então o assunto não passava de uma vaga curiosidade mitológica. A interpretação “imediatista” de uma tradição oral, que dá o tom do artigo, encontrou muita resistência entre antropólogos e historiadores-arqueólogos, e obrigou a uma definição de posições. Entre resenhas críticas, respostas e redargüições, formou-se um corpus importante de literatura sobre o “Inca Pano”1.
Um resumo, uma análise ou uma continuação da polêmica demandariam demasiado espaço; bastará indicar as duas linhas principais de crítica.
A primeira postula que qualquer “memória” do Inca pode ser reduzida a conteúdos atuais. Esses relatos sobre um Inca ambíguo — um herói cultural, origem de riquezas, mas também um opressor mesquinho — sugerem uma reflexão sobre o branco, e sobre os ciclos de aliança e guerra que com ele mantiveram durante séculos os índios do Ucayali2. Incas de batina, ou fornecedores de motores, como alguns que apareciam no material shipibo, constituíam apoios convincentes para a suspeita de que dados e