Impasses do Amor
Sartre, Lacan e o problema do reconhecimento do desejo
O ser do eu é uma coisa
Hegel
Sartre e Lacan são dois contemporâneos cujas experiências intelectuais, embora obedecendo a dinâmicas próprias, muitas vezes se entrecruzaram. Elas também muitas vezes se distanciaram, embora não podemos dizer que elas simplesmente se ignoraram, principalmente se levarmos em conta a maneira atenta com que Lacan comenta longos trechos das obras de Sartre em seus seminários. De fato, há uma relação tensa entre os dois, tensão que não se deixa compreender totalmente se tentarmos enquadrá-la como caso típico dos confrontos entre fenomenologia francesa e estruturalismo. Muitos foram os que já observaram que o estruturalismo lacaniano é, em larga medida, permeado por motivos fenomenológicos centrais que se fazem sentir quando o psicanalista elabora conceitos como: desejo, angústia e, até certo ponto, sujeito. A confrontação de Lacan com o pensamento de Sartre nos permite circunscrever melhor a matriz fenomenológica de tais conceitos.
Mas, por outro lado, a confrontação entre Sartre e Lacan tem uma função suplementar. Sabemos como o projeto sartreano foi um dos últimos grandes programas filosóficos do século XX a tentar levar a cabo uma filosofia da consciência, programa no qual uma consciência pensada não mais a partir do modelo cognitivo de auto-reflexão é capaz ainda de desempenhar um papel central na fundamentação de expectativas práticas da razão. Isto leva Sartre a criticar, desde cedo, tudo o que poderia impedir a realização do programa de reatualização de uma filosofia da consciência, seja a noção freudiana de inconsciente, seja a noção da anterioridade de estruturas intersubjetivas de reconhecimento no processo de determinação da consciência.
No entanto, por mais improvável que isto possa parecer, a crítica de Lacan a Sartre não está vinculada ao primeiro ponto, mas ao segundo. Lacan aceita, em larga medida, as estratégias fundamentais