igor
Não é mais fácil nem menos perigoso do que subir — é diverso. Se olhados de fora
— os gestos — podem parecer mais lentos. Para quem desce ao contrário, a sensação não é de vertigem
— é complemento. Subir foi demorado descer é outra arte. É como se Sísifo do outro lado do monte estivesse. Descer com uma pedra nos ombros — pode ser leve.
PREPARANDO A CREMAÇÃO
1 Levanto-me. Vou ao cartório autorizar minha cremação. Autorizar que transformem minhas vísceras, sonhos e sangue em ficção. O que pode haver de mais radical?
Assinar este papel tão simples tão fatal.
Autorizar a solução final de todos os poemas. 2 Faz um belo dia. Do terraço vejo o mar: pescadores cercam um cardume banhistas seguem se expondo à vida, ao sol.
Olho a trepadeira de jasmim os vasos de begônia e gerânios margaridas brancas e a azaléia:
— a vida continua viva dentro e ao redor de mim. Poetas antes e depois de Homero tentaram cantar a morte
(Nos consolaram).
Hamlet (cioso) dialogou com uma caveira de antemão.
Olho cada parte de meu corpo que vai se desintegrar: mexo os dedos, vejo as veias e no espelho esse olhar que nada mais verá. Irei à praia daqui a pouco mas antes passarei pelo cartório. 3 Há muito venho me preparando me despedindo do sorriso da mulher, das filhas da rua onde diariamente passo me despedindo dos livros vizinhos e paisagens. Não sou só eu. Minha mulher antes de mim no mesmo cartório foi e ainda mostrou-me o documento. Olho-a neste terraço: lá está ela, viva! ligada nas plantas e planos. Olho-a: acabou de fazer um vestido novo.
Como imaginá-la no jamais? Ao lado, o barulho de um túnel que estão cavando:
— é a nova estação do metrô.
Há um alarido de crianças na escola vizinha e eu saio numa esplêndida