HISTÓRIA CULTURAL E HISTÓRIA SOCIAL
Silvia Hunold Lara1
No Brasil, a história cultural tornou-se, há algum tempo, prática corrente entre os historiadores. Quase todos os programas de pós-graduação possuem alguma linha de pesquisa com a palavra cultura em seu título e vêm produzindo teses nesta área em quantidades crescentes. O problema é que, neste "boom" historiográfico, vozes simultâneas falam de cultura querendo dizer coisas bem diferentes, referindo-se a pesquisas de natureza bastante diversa. Por isso mesmo, as discussões sobre os sentidos e limites deste campo de reflexão histórica são, não somente benvindos, mas necessários.
Abordando o tema com habilidade e experiência, Peter Burke contrapõe a "história cultural clássica" à "nova história cultural", destacando quatro pontos críticos: a natureza dos vínculos entre cultura e sociedade; a existência de unidade ou diversidade culturais; a variação nos conceitos de cultura; e os problemas de uma noção de cultura estreita demais (equivalente às belas-artes). Diante deles, propõe uma história cultural que esteja atenta para "o encontro cultural, a circularidade e o processo de cotidianização".
Um rápido exame da produção mais recente da história cultural - no
Brasil e no exterior - logo revela a grande variedade de significados atribuídos à palavra "cultura". Não se trata, porém, apenas de uma questão de terminologia, mas de modos diversos de conceber a atividade histórica, de formular problemas e abordar a documentação - ligados a tradições historiográficas distintas. Assim, a concepção de que há um universo mental comum entre "César e o último soldado de suas legiões", como afirmou Le Goff
(1976), já pressupõe um tipo de vínculo entre sociedade e cultura, uma indagação sobre o que transcende as diferenças, e leva a um determinado tratamento das fontes. Contrapondo-se a esta concepção e criticando "a insistência nos elementos inertes, obscuros [e] inconscientes" da história das mentalidades,