Historias
Ai, a boneca da madrinha, poisada no toucador, multiplicada pelos espelhos em centenas de bonecas iguais! Tinha caracóis louros, de cabelos de verdade. Usava chapelinho à banda, com friso de redezinha. O vestido era de seda tão azul como os olhos dela. A saia de baixo engomada levantava-lhe o vestido. As meias de renda branca, as botas de pelica fina, botas de pôr e tirar, tudo uma maravilha.
Descalça, os pezinhos rechonchudos eram tal e qual os de um bebé.
Ai, quem dera à Mariana a boneca da madrinha! Poder brincar com ela, podia, sobre a larga cama com colcha de cetim, mas só um bocadinho, porque a madrinha ou a mãe da madrinha ou a irmã da madrinha estavam sempre a dizer-lhe:
- Cuidado, Mariana, que a boneca é de loiça e parte-se.
Ela sabia. Então não havia de saber? Mais cuidadosa do que ela ninguém no mundo. A Mariana era capaz de oferecer a sua própria vida para que a boneca nunca as partisse.
Tocava-lhe ao de leve. Calçava-a e descalçava-a, vezes sem conto. Dava-lhe beijos nas bochechas e nos olhos pestanudos. Nunca sequer se atrevera a penteá-la, para não lhe desmanchar os caracóis loiros.
O que a Mariana mais gostava era de vê-la, passear-lhe os olhos do chapelinho à ponta dos botins, reter tudo, sem que escapasse um único pormenor, para se lembrar, depois, quando voltasse a casa.
As visitas à madrinha só aconteciam, de longe em longe, mas eram sempre uma festa antecipada.
- Hoje vamos a casa da madrinha, Mariana - dizia-lhe a mãe.
Que bom! Que bom, por causa da boneca. Não que a madrinha não fosse uma senhora simpática. Chamava-se Mariana, não tinha filhos, mas, em compensação, muitas afilhadas, todas Marianas como ela.
- Eu não sei se elas vêm cá para visitar a madrinha ou para brincar com a boneca da madrinha... - dizia a D. Mariana, a sorrir.
Não era um grande sorriso