Historia da vida privada
Ronaldo
Vainfas
Departamento de História, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia/Universidade Federal Fluminense
1. História da vida privada: definições, hesitações Publicada em 1974 sob a organização de JacquesLe Goff e Pierre Nora, a trilogia Faire de L'Histoire (LeGoff & Nora, orgs. 1976), hoje clássica, ficou conhecida como o "manifesto da Nova História" à moda francesa. Entreos artigos então proponentes de "novos problemas", há os que se dedicaram ao quantitativo na história, à história dos povos sem escrita, às ideologias, à revalorização do fato e até ao marxismo. No tocante ôs "novas abordagens", encontram-se artigos dedicados a várias disciplinas ou campos da história, a exemplo da arqueologia, demografia, religião, literatura, arte, ciências, política. Quanto aos "novos objetos", deparamo-nos com amplo painel temático que vai do clima à festa, passando pelo inconsciente, pelo corpo, pelos jovens, pela cozinha, pelo mito, pelo filme, pela opinião pública e, certamente, pelas mentalidades. Não é o caso, aqui, de examinar em profundidade o perfil da trilogia, embora à distância me pareça discutível a "novidade" de vários problemas e abordagens propostos. Quanto aos objetos, não resta dúvida de que muitos eram, então, realmente novos e chegariam a abrir, no futuro, campos sistemáticos de investigação, a exemplo dos "jovens". Causa espécie, porém, a ausência completa da vida privada, seja como novo objeto, seja como novo problema ou abordagem da chamada "Nova História". Causa espécie, antes de tudo, porque há quase quinze anos, em 1960, se havia publicado o livro de Philippe Aries, História Social da criança e da família, obra que se tornaria clássica sobre a gênese da vida privada no
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Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v.4 p.9-27 jan./dez. 1996
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Ocidente (Aries 1981). Mas Aries era, na época, autor relativamente marginal entre os historiadores franceses, historiador