Heurísticas
“Estas são as únicas idéias verdadeiras: as idéias dos náufragos. O resto é retórica, pose, farsa íntima. O que não se sente perdido na verdade, perde-se inexoravelmente; isto é, não se encontra nunca, não topa nunca com a própria realidade.” ORTEGA Y GASSET
À guisa de introdução
O Direito, desde tempos imemoriais, foi tomado como uma atividade prudencial, um labor de natureza decisória cuja qualidade acaba dependendo, em certa medida, das virtudes de quem o pratica; já a idéia de Justiça, em que pese os esforços da razão, tem-se mostrado uma aporia irredutível: afinal de contas, “dar a cada um o que é seu” nunca resolveu – nem resolverá - a questão de se determinar, em cada conflito humano, qual o seu de cada um. Preso a esses contornos, o direito se queda condenado a um inarredável irracionalismo.
Foi a modernidade, ao pretender construir um mundo sobre bases estritamente racionais, que plantou a idéia de uma “ciência do direito”, de modo a retirá-lo do âmbito da razão prática e submetê-lo aos ofícios da razão pura. A rigor, propôs ao pensamento jurídico um modelo teórico maculado pelos disparates dos grandes paradoxos: um esquema de decidir por atos de mera cognição! Eis sonho extravagante de uma função “deliberativa” exercida nos limites epistêmicos de uma razão técnica, capaz de construir sentenças judiciais por inferências silogísticas, a partir de um sistema de normas gerais oferecidas pelo legislador: a norma, um dado legislado, cumprindo a função de premissa maior; o fato judicializado encenando o papel de premissa menor; ao fim e ao cabo, a sentença como conclusão irrefutável, a aplicação objetiva do direito pelo magistrado, um técnico estatal altamente especializado, alçado em suas funções por um critério não menos técnico, o concurso público. Ao mesmo tempo, uma espécie de “agente político” politicamente irresponsável pelas decisões judiciais que elabora.