Hanna
Logo após publicar o clássico As origens do totalitarismo, a filósofa política Hannah Arendt passou a dedicar-se à compreensão das condições da política moderna que facilitaram a ascensão do totalitarismo e, por outro lado, ao exame da persistência dos elementos totalitários após a derrota do nazismo e do stalinismo. No prefácio de A condição humana, Arendt anuncia que seu propósito no livro era pensar o que estamos fazendo, a partir de nossas novas experiências e temores mais recentes. Por meio da vitória do animal laborans, do trabalhador, sobre o fabricante de objetos e sobre o homem de ação, o que se avista na era moderna é um novo limiar em que humanidade e animalidade têm suas fronteiras diluídas, e a fruição do mero estar vivo converte-se no horizonte da felicidade e da perfectibilidade. Antes de tudo, em seu diagnóstico da modernidade política, ela se recusa a conceber que a liberdade, razão de ser da política, possa ser substituída pelo alívio da segurança contra a violência e, principalmente, na felicidade compreendida como saciedade. O homem laborador, nessa perspectiva, está tão absorvido no universo do trabalho e da fruição, que não é capaz sequer de conceber uma vida fora disso, o que acarretaria a perda de sua liberdade política. A política, dessa forma, acaba sendo completamente anulada, ou mesmo absorvida, pela economia, que dá os parâmetros de felicidade a partir de critérios puramente consumistas. A mera existência biológica, elevada à categoria de bem supremo na modernidade e que considera a fruição da vida como única meta da existência humana, acaba por minar a durabilidade do mundo comum, o espaço próprio da política. A vida humana se transforma numa perene recorrência imutável dos ciclos da espécie. Na era moderna, um dos efeitos de tal processo é o persistente tratamento dos objetos de uso como se fossem bens de consumo. A repetição e a