goldman pref
[7] Por ocasião de um recente evento destinado a debater o encontro, ou ‘malencontro’, entre europeus e ameríndios, Ailton Krenak dizia que:
Pierre Clastres, depois de conviver um pouco com os nossos parentes Nhandevá e M’biá, concluiu que somos sociedades que naturalmente nos organizamos de uma maneira contra o Estado; não tem nenhuma ideologia nisso, somos contra naturalmente, assim como a água do rio faz o seu caminho, nós naturalmente fazemos um caminho que não afirma essas instituições como fundamentais para a nossa saúde, educação e felicidade.1
As palavras de Krenak não devem ser mal interpretadas: ‘somos contra naturalmente’ não significa que a oposição ao Estado dependa de alguma natureza, mas sim que ela se dá com naturalidade, pois depende de uma certa forma de organização, ou um modo de ser da sociedade indígena, e passa por um desejo coletivo. E o fato de a filosofia política das sociedades indígenas apresentar essa dimensão de intencionalidade, ou de agência, não significa que ela possa ser reduzida a algum tipo de ideologia, que,como definiu Clastres, é o discurso com o qual a sociedade de Estado mascara sua própria divisão interna. Não é de surpreender que a idéia central de A sociedade contra o Estado tenha sido incorporada pelo discurso político de Ailton Krenak. Em [8] parte porque o próprio Clastres também se inspirou no pensamento das sociedades indígenas, mas também porque a força de sua obra – o ar de liberdade que nela se respira, e, mais ainda, a atitude ao mesmo tempo política e epistemológica que exprime – vem produzindo afecções (na acepção filosófica do termo) em muitos leitores já há quase trinta anos. A presente reedição, com tradução revista, contribuirá sem dúvida para a ampliação desses efeitos, sobretudo porque acrescida da tradução inédita de uma rica entrevista com o autor. Esta é, com efeito, uma obra de antropologia quase única em sua capacidade de interessar a todo mundo, desde pessoas ilustres da filosofia e