Fédon
O Fédon é o mais popular dos diálogos de Platão, o que mais lido, citado e comentado tem sido, e aquele cujo tema sofreu menos eclipses na inquietude, nos anelos e na estimativa das gerações. Tem por protagonistas Sócrates, por cenário, o cárcere de Atenas, por data, o derradeiro dia de vida do «melhor, do mais sábio e do mais justo dos homens», por assistentes e interlocutores, discípulos e amigos do filósofo, por assunto dominante, a imortalidade da alma.
A ação decorre do amanhecer ao sol-posto, até ao momento em que Sócrates bebe a taça de cicuta e põe termo à vida em cumprimento da sentença que o condenara à morte.
Os personagens são reais, e o acontecimento verificou-se, pelo menos nos episódios relevantes, porque seria ridículo para Platão deturpar factos conhecidos de toda a gente de Atenas.
A narração é sóbria, apenas o bastante para configurar o ambiente propício à densidade emotiva e à altitude intelectual; a exposição das conceções, pelo contrário, tem quase sempre o desenvolvimento adequado à fundamentação e ao alcance das ideias, que, embora se apresentem literariamente sob a forma de uma conversação, não são de maneira alguma filosofia dialogada, mais ou menos convencional e postiça, como os diálogos filosóficos que a renovação do Platonismo no século XVI pôs de moda e alguns pensadores dos tempos modernos adotaram como processo de exposição de ideias.
O comportamento de Sócrates perante a morte é admirável de plácida naturalidade e desentranha uma lição de edificação moral, que tem sido ouvida, quase sem interrupção e sempre com respeito, no decurso dos séculos. Daí a veneração que lhe têm tributado o anelo religioso, o sentimento de dignidade pessoal, a meditação, a arte e a poesia; no entanto, mais impressionante e exemplar que a atitude moral perante a morte é a lucidez com que o Filósofo discorre até ao derradeiro alento de vida e a franqueza honrada, sem sofismas nem