Francois HARTOG Os Antigos O Passado E O Presente
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Parte I. Os antigos diante deles mesmos
Heródoto, por sua vez, era o autor de seu lógos, e era esse lógos que, diante de outros ou contra eles, vinha estabelecer sua autoridade. Mas esse novo lugar de saber, reivindicado desde o início, era ao mesmo tempo algo a ser inteiramente construído.-' Existe nesse caso uma distância razoável com relação às historiografias orientais. Os gregos foram mais os inventores do historiador que da história.
Esse modo de afirmação e esse dispositivo de produção de um discurso não estavam reservados unicamente - bem se sabe - à historiografia. Ao contrário, eram a marca, mais exatamente a assinatura, dessa época da história intelectual grega (séculos VI-V a. C.) que viu crescer, entre artistas, filósofos da natureza e médicos, o
'egotismo' .4 No caso da historiografia, contudo, tal afirmação adquiriu logo uma certa fragilidade, já que a história, logo em seguida, se transformou em um gênero e não em uma disciplina. Em momento algum uma instituição (escola ou outra qualquer) encarregou-se dela, codificando-lhe regras de credenciamento ou controlando seus modos de legitimação. Além do mais, figura nova na cena dos saberes, sem no entanto ter surgido do nada, o historiador não tardou a inclinar-se ante o filósofo, que se tornaria, a partir do século IV a. C., a referência maior e, por assim dizer, o padrão do intelectual: o modelo. O historiador criticou o filósofo, travestiu-se de filósofo ou, em resposta ao filósofo, empenhou-se em mostrar que a história era filosófica.
Por figura do historiador designam-se os traços e os gestos inaugurais, as configurações epistemológicas, assim como os relatos que tornaram possível e sustentaram a primeira narrativa histórica. É no esboço dessa figura que me detenho aqui.
Primeiras figuras do historiador na Grécia
Epopéia ou história
Heródoto quis rivalizar com Homero e, ao cabo das Histórias, tornou-se Heródoto. Essa fórmula quer apenas sugerir que a força ou a audácia primeira de começar