Foucault e a verdade
Comunicação e linguagem. nº 19. Lisboa: Edições Cosmos, 1993. p. 203-223.
VERDADE E SUBJECTIVIDADE (HOWISON LECTURES)
Michel Foucault
1ª Conferência – Berkeley, 20 de Outubro de 1980
(Bem, gostaria em primeiro lugar de vos agradecer pela vossa presença, de que não sei se deva dizer que é por demais numerosa. Por demais numerosa para os que, malogrados, ficaram de fora. Por demais numerosa, em todo o caso, para mim, pois, como o senhor o disse há um instante, professor Dreyfus, vou apresentar-vos uma, melhor, duas conferências sobre assuntos que são relativamente técnicos e, consequentemente, desculpo-me perante quem houvera desejado ouvir aqui afirmações mais gerais e pertinentes simultaneamente à existência do mundo e às suas próprias vidas. Neste pé, agradeço pois ao comité das Howison
Lectures, o Committee for Arts and Lectures, o Graduate Council, o departamento de Filosofia, o departamento de Francês e, acima e no fundo antes de tudo, aos meus amigos Burt Dreyfus e Leo Bersani.
Ora bem, irei agora principiar.)
Numa obra consagrada ao tratamento moral da loucura e publicada em
1840, Luria, um psiquiatra francês, fala da maneira por que tratou um dos seus pacientes, o tratou e, como se pode adivinhar, o curou. Uma manhã, leva o seu paciente (chamemos-lhe senhor S.) para um balneário. Fá-lo relatar em detalhe o seu delírio.
“Bem, tudo isso”, diz o médico, “não passa de loucura. Prometa-me que nunca mais volta a acreditar nisso”.
O paciente hesita, depois promete.
“Isso não chega”, replica o médico. “Já fez promessas semelhantes e não as cumpriu”.
E liga um chuveiro frio por cima da cabeça do paciente.
“Pois,sim, sim, sou louco”, grita o paciente.
O chuveiro é desligado. O interrogatório prossegue.
“Sim, reconheço que sou louco”, repete o paciente, “mas”, acrescenta,
“é porque me está a forçar a fazê-lo”. É claro, nova chuveirada.
“Bem”, diz o paciente,