Fingimento poético
Autopsicografia
O poeta é um fingidor Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente
E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm
E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.
Esta composição poética é uma esplêndida síntese do que Fernando Pessoa pensava sobre a génese e a natureza da poesia. Podemos, pois, considerá-lo como uma verdadeira "arte poética".
O assunto do poema desenvolve-se em três partes lógicas, que correspondem a cada uma das estrofes. Porém, comecemos por nos debruçar sobre o título que também faz parte do texto
O que quererá significar o título? Vai o poeta falar de si e do seu mundo psicológico complexo?
Vejamos:
Aspectos morfológicos na composição do título: Autopsicografia
Constituintes morfológicos: auto, significa de si mesmo
psico, mente, espírito, alma
grafia, escrita
Perante o título, seria legítimo encontrar um auto-retrato da mente do poeta sob a forma de expressão escrita, ou um auto-retrato espiritual. Se assim é, como se explica que não ocorra qualquer verbo na primeira pessoa do singular, nem o pronome pessoal equivalente? Não era de um auto-retrato que se tratava?
Fernando pessoa quis expor uma teoria da criação poética de valor universal, por via da introspecção e recorrendo ao exemplo da dor.
O primeiro verso encerra a ideia fundamental do poema, “O poeta é um fingidor”. A brevidade da frase