Filosofia
QUE LHE ATRIBUÍMOS
Miguel SPINELLI1
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RESUMO: Não é objetivo deste estudo investigar os mitos que Platão supostamente inventou, e, sim, os que (na tentativa de interpretar a sua obra) foram inventados sobre ele: convicções que lhe foram atribuídas e que não são dele, mas de outras crenças que buscaram nas dele justificativa e amparo. Dois desses mitos são neste estudo analisados com maior destaque: um, aquele que diz que
“Platão fez do corpo um inimigo da alma”; outro, que “Platão refuta a percepção sensível”. ■
PALAVRAS-CHAVE: Platão, conhecimento, kátharsis, empiria, noêmas.
Existem vários mitos criados em torno de Platão, dentre eles o maior consiste em dizer que ele fez do corpo um inimigo da alma e que, nesse contexto, tentou demonstrar que os sentidos se opõem ao intelecto. Mais do que um mito – algo do qual jamais conseguimos nos livrar, afinal, os mitos persistem –, o que se criou, a par ou mesmo à revelia do platonismo, foram outras intenções semânticas com o propósito de construir distintos itinerários teóricos.2 A tradição escolástica foi a principal fonte dessas criações, sobretudo de mal-entendidos, e a sua influência tem se mantido na vida escolar até nossos dias. Tanto é verdade, que numa avaliação em que solicitava aos alunos que comentassem um trecho do Fédon de Platão,
1 Professor do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria/RS. Artigo recebido em mar/07 e aprovado para publicação em jul/07.
2 Dedicamos duas obras nesse sentido, Spinelli, 1998 e 2007a. A Filosofia promove convicções que alimentam mitos; mito, nesse caso, é tudo aquilo que o intelecto toma como verdadeiro antes e depois da demonstração (do exercício do juízo).
Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 191-204, 2007
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um deles (calouro e pouco freqüentador das aulas), saiu-se com esta preciosidade: “Me recuso a comentar. Esse Platão é muito medieval prô meu