Filosofia
Meditações do Quixote, p. 39, 47, 51, 53
Minha circunstância é parte constitutiva de mim mesmo. Tenho que amar minha circunstância como a mim mesmo, para compreendê-la. Nestes ensaios eu quisera propor aos leitores mais jovens que eu, únicos aos quais posso, sem imodéstia, dirigir-me pessoalmente, que expulsem de seus ânimos todo hábito odiento e aspirem fortemente a que o amor volte a gerir o universo. Para intentar isso não vejo à mão outro meio, exceto apresentar-lhes sinceramente o espetáculo de um homem agitado pelo vivo afã de compreender. Dentre as várias atividades do amor há somente uma que posso pretender. Dentre as várias atividades do amor há somente uma que posso pretender comunicar aos demais: o afã de compreensão. [...] O homem rende o máximo de sua capacidade quando adquire plena consciência de suas circunstâncias. Por elas se comunica com o universo. A circunstância! Circum-stantia! As coisas mudas em nosso próximo derredor! Muito perto, muito perto de nós levantam suas tácitas fisionomias com um gesto de humildade e anelo, como necessitadas de que aceitemos sua oferenda e, ao mesmo tempo, envergonhadas pela simplicidade aparente do donativo. E andamos cegos entre elas, o olhar fixo em remotas empresas, projetados para a conquista de longínquas cidades esquemáticas. [...] Havemos de buscar para a nossa circunstância, tal e como é, precisamente no que tem de limitada e peculiar, o lugar acertado na imensa perspectiva do mundo. Não nos deteremos perpetuamente em êxtase perante os valores hieráticos, mas conquistaremos para nossa vida individual o posto oportuno entre eles. Em suma: a reabsorção da circunstância é o destino concreto do homem. Minha saída natural para o universo abre-se pelos desfiladeiros de Guadarrama[1] ou o campo de Ontígola. Este setor da realidade circunstante forma a outra parte da minha pessoa: só através dela posso