figurações femininas
Desde as epopeias homéricas, obras fundacionais da literatura ocidental, uma parte muito significativa da produção poética nas várias línguas centra-se sobre a temática amorosa. Efectivamente, com maior ou menor sinceridade, os poetas imprimem nos versos os seus sentimentos, as suas dúvidas e certezas, as suas dores e ilusões, os seus anseios… neste afã prestam especial atenção à causa desses sentimentos: o ser amado.
Assim, muitos versos são dedicados a apresentar o ser amado, quase sempre uma mulher. É sobre esta figuração da mulher amada que vamos tecer algumas considerações, reportando-nos à época medieval e ao Renascimento.
A leitura de uma qualquer antologia poética permite uma conclusão: a descrição da mulher é feita quase nos mesmos termos por todos os poetas, independentemente da língua em que escrevem, e assume uma dimensão tópica e estandardizada. Vejamos alguns exemplos.
No século VI, partindo de elementos dispersos provenientes de autores da
Antiguidade Clássica, o poeta elegíaco Maximianus Etruscus apresenta na sua elegia I, versos 93 a 98, a seguinte descrição:
‘A áurea cabeleira, o esbelto e lácteo pescoço,
Que sustenta, na perfeição, o seu rosto admirável,
As negras sobrancelhas, a fronte perfeita, os olhos claros
Queimam, sempre que os vejo, o meu coração.
Com chamas seduzem-me os lábios ligeiramente tumescidos
Quando gostosos e arrebatados beijos me dão.
Nestes seis versos encontramos estruturado o retrato-tipo que irá caracterizar as personagens femininas de toda a literatura medieval e renascentista: o cabelo louro, pele branca, o rosto admirável, as sobrancelhas negras, a fronte perfeita, os olhos claros e os lábios não muito carnudos.
Este retrato vai servir de base à teorização do tópico da descriptio pulchritudinis
("descrição da beleza") pelos gramáticos medievais1 no século XII, culminar do processo de formalização do ideal de beleza feminino. Neste período