Fernando Soromenho
Castro Soromenho. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-09-29].
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Castro Soromenho
"Calenga não pode dormir durante uma noite, sentindo fortes palpitações no coração e um zumbido de vozes misteriosas que lhe segredavam as mesmas palavras bonitas que ouvira, de olhos arregalados e garganta apertada, ao velho. Só mais tarde depois de conhecer os deuses e as suas histórias fantásticas, é que compreendeu que os segredos da raça e os mistérios da terra não eram tão tenebrosos como julgava. Foi nessa ocasião que ficou a saber que os homens e os seus segredos e a terra e os seus mistérios dependiam da vontade dos deuses. Então, ele convenceu-se de que os homens, por muito valentes e ricos que fossem, nada valiam em presença dos deuses. E Calenga teve medo dos deuses e venerou-os. No cercado da mucanda, Calenga perdeu todos os medos que apavoravam as crianças, ouvindo as longas e terríveis lições dos velhos educadores. E ficou a conhecer um mundo de coisas, cujo significado jamais saberia desvendar, mas que haviam de o inquietar durante toda a vida de caçador de borboletas e de grilos. Os velhos ensinaram ao moço que devia amar o seu povo e odiar todos os homens das outras tribos. E Calenga quis ser guerreiro, como o foram os seus avós que viveram na estepe, para matar todos os homens das tribos vizinhas e beber vinho de palma pelo crânio dos sobas mortos por suas mãos. Calenga aprendeu muitas histórias de guerras e de caçadas. E sentiu um louco desejo de se lançar na estrada da aventura. Mas a grande lição que o moço aprendeu foi a de se tornar irmão de todos os rapazes que, na sua companhia, foram iniciados no rito da circuncisão. Quando Calenga abandonou a mucanda, sabia muitas coisas que só os homens conhecem. Mas acima de tudo aprendeu a ser o companheiro, que é mais que irmão, dos moços que a seu lado foram sacrificados aos deuses da mucanda para ganharem o direito de serem