fernando pessoa
Esta primeira estrofe mostra aspetos da famosa despersonalização de Fernando Pessoa. Ele diz não saber quantas almas tem, porque mudou a cada momento. Esta instabilidade é, no entanto, uma instabilidade de vida e não tanto uma instabilidade de "almas". Certo é que Pessoa, por sempre se expressar por outras vozes (heterónimas ou pseudónimas), neste momento já não se reconhece - tudo lhe foi sempre estranho, porque colocou sempre em outras vozes os seus problemas. Esta exteriorização das coisas na sua vida torna-o estranho à própria vida - parece-lhe que foi outro que a viveu. Claro que este sentimento é uma proteção psicológica de Pessoa, de se recolher para dentro para não sofrer com a solidão.
A expressão "De tanto ser, só tenho alma", sendo curiosa, parece de fácil expressão. Pessoa quer dizer que não sente ter vida, mas só alma - ou seja, a sua vida foi (e é) toda pensada, toda racionalizada. Como sempre passou para pensamento tudo o que lhe acontecia, tudo o que sente é na alma, e parece que nada sente no corpo. Esta divisão corpo/alma é essencial no todo da obra de Pessoa e reflete uma das características da mesma - a extrema zxracionalização, o reduzir de todos os impulsos a uma inteligência recusando as emoções puras.
Mas Pessoa sabe que a vantagem de tudo ser inteligência tem desvantagens: "Quem tem alma não tem calma", diz ele. Quer dizer que quem pensa não tem paz - eis um novo princípio de grande importância: é inconciliável pensar e viver, ou se vive sem pensar ou se pensa sem viver. Viver a vida ou pensar a vida é um oposto que sempre desafia Pessoa. "Quem vê é só o que vê, / Quem sente não é quem é," marca ainda mais esta oposição viver/pensar. "Quem vê" é aquele que vive só a vida e não a pensa (sente). "Quem sente não é quem é" - quer dizer que o pensamento impede a ação na vida. Reforça o que dissemos anteriormente, que viver e pensar se tornam