Família escrava
(1845 a 1865)
Roberta França Vieira Zettel1
Em relação ao tema da escravidão, a história do Rio Grande do Sul durante bastante tempo foi considerada sui generis se comparada a outras áreas escravistas brasileiras. Ou se proclamava a inexistência total de mão-de-obra escrava ou ela era considerada pouco relevante para o trabalho de criação do gado. As explicações dessa ausência variaram desde a maior possibilidade de fuga de escravos, conseqüência da instalação de unidades produtivas em locais de fronteiras pouco definidas até a uma pretensa tendência do gaúcho ao igualitarismo, o denominado “mito da democracia dos pampas”.
De uma forma ou de outra, tais justificativas tinham que ver com um deturpado imaginário da campanha. Ele consistia na interpretação do pampa como uma terra vazia, onde somente os homens circulavam, vaqueando livremente pelos campos. Em tal cenário, pouco se podia dizer das relações de dominação que envolviam brancos, índios e negros. Isto é, segundo a história tradicional o território onde atualmente está demarcado o Rio Grande do Sul era quase uma terra de ninguém – só não o era totalmente por conta das disputas entre lusitanos e espanhóis.
Dois campos de estudo ajudaram a transformar esse panorama: as pesquisas em história agrária e as revisões na historiografia da escravidão ocorridas desde 1980. Em relação aos estudos agrários, eles foram de especial relevância ao apresentar o cotidiano da estância conforme outros matizes: nem só da pecuária se vivia e nem só os homens eram responsáveis pela produção. Por outro lado, o reconhecimento pela historiografia de formas diversas de dominação e resistência, incorporadas, sobretudo, nas investigações sobre o trabalho escravo, resultaram no entendimento de que uma fronteira aberta e o trabalho pecuário não eram incompatíveis com a