"Odeio morcegos. Há uns dois anos atrás, gostava de correr por uma trilha no tangível anoitecer, fazia isso todos os dias, esse era o único momento em que ninguém se esforçava para me perturbar, já que teriam que correr também para me alcançar. Era um momento somente meu, e o utilizava para arquitetar os planos que poderiam me levar à concretização dos meus sonhos. Até que sempre apareciam eles, os morcegos. E assim, parava meu exercício e meus pensamentos eram instantaneamente cortados, porque apenas observava o seu voo. Não sei o quão estranho isso soa, mas sempre achei engraçado o voejo que escurecia o céu e ao mesmo tempo iluminava por seu esmero. É como se estivessem com as asas golpeadas, não tava para ver gotas de sangue, mas sempre imaginava o quão poderia estar a doer, porque eles voam de um jeito meio torto e desajeitado, meio cego. Outra coisa que atraia a minha atenção era a maneira como apareciam praticamente no mesmo horário, como se tivessem combinado de defrontassem ali para perturbar minha corrida. Não eram sujeitos nem adequados à disciplina, havia dias que conferia meu relógio porque já sabia que estavam perto de surgir. Odiava ter minha concentração interrompida. E era impossível, quanto mais a negritude do crepúsculo manifestava-se, mais baixo eles voavam. Uma vez, numa tentativa frustrada de continuar meu caminho, senti um deles esbarrar com as minhas costas, abaixei-me e sentei para encará-los com raiva. E me dei conta de que toda a raiva que sentia vinha da curiosidade que detinha por eles, pois era mais do que qualquer vontade de satisfazer-me que fazia-me parar para olhá-los. Assim como aqueles mamíferos envoltos por segredos me atraio pela escuridão, porque ela é quieta e silenciosa. Nela não é possível enxergar o que pode nos atingir, então parece que nada vai acontecer, trás segurança. Mas também é uma dicotomia. A surpresa pode ser inata. Eu gosto da madrugada, pelo mesmo motivo que gostava de percorrer por aquela vereda. A maioria